RESENHA: O Resto é Silêncio (2024)

RESENHA: O Resto é Silêncio (1)

Acredito que qualquer um que leia “O Tempo e o Vento” confiará de olhos fechados na habilidade de Erico Verissimo de criar personagens apaixonantes, já que muitos dos Terra-Cambará ficarão guardados no coração dos leitores eternamente. Mas, aparentemente, ninguém é infalível. Nem mesmo Verissimo.

Uma moça se atira de um prédio no centro de Porto Alegre e é testemunhada, de maneiras diferentes, por sete pessoas que nada tem a ver umas com as outras. A partir disso, vemos como esse episódio afeta a vida dos que, mesmo indiretamente, entraram em contato com essa tragédia.

A ideia do livro surgiu de uma vivencia do próprio Erico Verissimo que testemunhou o suicídio de uma moça nas mesmas condições que o de Joana Kerewska, personagem que dá início a “O Resto é Silêncio”. Perturbado e levando consigo uma vaga sensação de responsabilidade, como revela no prefácio, o autor usou do episódio para dar início a uma trama muito promissora, cuja a intenção não é abordar a história do suicídio ou os motivos que levaram a moça a se matar, mas sim o impacto disso na vida dos que testemunharam essa morte. Joana nem mesmo é uma personagem. Quem dá vida a “O Resto é Silêncio” são os outros.

Achei a premissa genial, mas me decepcionei com o que encontrei. O próprio Erico, crítico severo de sua própria obra, reconhece (também no prefácio) que falta calor a “O Resto é Silêncio” para que este seja de fato um bom livro. Concordo. Temos bons personagens (verossímeis, cheios de defeitos e angústias), mas lhes falta carisma. Isso é um grande problema porque o livro gira em torno exclusivamente das reflexões deles a partir do suicídio de Joana. Eles passam a pensar sobre a vida, sobre o passado, sobre erros cometidos, anseios, carreira, família, entre tantas outras coisas, mas não há uma trama para o livro ou mesmo uma história para esses personagens viverem. Não vejo nisso um problema se os personagens em questão fossem interessantes a ponto de se sustentar com base apenas nisso e não é o caso, afinal, se eles não nos cativam, que interesse temos em suas angústias?

“Lançou um olhar para o meio da rua. Foi ali que caiu a moça...Sacudiu a cabeça. Uma desgraçada a menos. Mas o mundo não ia acabar, nem melhorar, nem piorar por causa daquilo. Mais gente morreu em Canudos. Mais gente estava morrendo na Europa, naquele mesmo instante.” (VERISSIMO, 2008, p. 157)

Outro problema é que Verissimo não tem uma das narrativas mais objetivas que já conheci. Isso não atrapalha uma trama como a de “O Tempo e o Vento” em que cada detalhe nos encanta porque ajuda a desenhar um cenário, uma situação ou conhecer um pouco mais de um personagem cheio de vida. Mas em “O Resto é Silêncio” incomoda porque o autor não está nos levando a lugar algum. O engraçado é que, mesmo que nos sejam dados tantos detalhes, ainda parece que conhecemos esses personagens apenas à distância. Sabemos o que pensam, o que sentem, mas não sentimos que estamos com eles em nada.

Algo que gostei foi do caráter cíclico que o autor deu à história. Se todos os personagens se uniram, de certa forma, por um mesmo acontecimento e isso que testemunharam os fez pensar sobre suas vidas, as cenas finais também os colocam em uma mesma situação (um concerto) e o que testemunham no palco do teatro os faz chegarem a conclusões sobre as coisas que vinham pensando nos últimos dias (a história toda se passam em um final de semana). A mesma coisa os leva a refletir e a mesma os leva a concluir.

Dizer que “O Resto é Silêncio” não é o melhor do seu autor seria declarar o óbvio, mesmo se eu não tivesse lido o livro. Alguns autores tem uma obra a qual nada que escrevam, antes ou depois, pode se comparar. É o caso de J.K. Rowling e seu “Harry Potter”. É o caso de Erico Verissimo e seu “O Tempo e o Vento”. O que “O Resto é Silêncio” faz é demostrar o estilo do seu autor e sua habilidade de contar milhares de histórias concomitantemente. Mas lhe falta intensidade e por isso torna-se enfadonho na maior parte da leitura.

RESENHA: O Resto é Silêncio (2)Título: O Resto é Silêncio

Autor: Erico Verissimo

N° de páginas: 392

Editora: Companhia das Letras

Exemplar cedido pela editora

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Author: Tish Haag

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